Por Berna Almeida

crônicas -

De uma Mãe ‘aos Seus Guerreiros’


A cada dia que passa eu tenho a certeza de que deveria haver cursos especiais para cuidar de pessoas com alzheimer, pois lidar com os sintomas e comportamentos seria bem mais fácil se houvesse um acompanhamento médico dentro do habitat do paciente.

Profissionais geralmente se aprofundam no estudo da doença, passam x e y para variados sintomas, ficam cara a cara com o paciente e seu cuidador, ouvindo as respostas de suas perguntas. Mediante isto prescreve-se a receita.

Se juntarmos todas as perguntas e respostas, e o profissional de saúde passasse a conhecer o cotidiano do paciente e do Cuidador Informal, eu tenho certeza de que haveria uma drástica mudança na prescrição de medicamentos.


Familiares que abandonaram o Cuidador e seus pais.

Entes queridos repletos de desacertos

Todas as manhãs quando acordo e o (a) vejo ao lado de minha cama, ou escuto o barulho salutar que vem da cozinha onde preparas meu alimento, sinto me tão seguro (a) em saber que estais aqui, e por mais que eu não consiga balbuciar uma palavra, tento lhe falar com os olhos por mais enebriados que eles estejam, o quão grato (a) sou a a Deus pelo privilégio de ter carregado meses a fio em meu ventre alguém como você. Que honra tenho em ser tua mãe!

Privilégios para poucos… Como sou abençoada, há tantas mães em busca desta suprema oportunidade…

Vendo seus cuidados para comigo no cotidiano, vez por outra me pego em dúvidas:

·        Quem estaria aqui cuidando de mim, caso você não existisse?

·        Quem renunciaria a toda uma vida em prol de alguém a não ser você?

Como eu gostaria que essa doença não calasse a minha voz e nem atrofiasse meus movimentos, pois a coisa que eu mais gostaria neste momento é lhe dar um abraço de GRATIDÃO..

Sim, um mero abraço de GRATIDÃO, e sei que dirás:

·        Imagina mãe, sou teu (ua) filho(a), quem não faria isto por uma mãe?

Ledo engano, tantos filhos conheci em minha vida que abandonaram seus pais no leito da morte, tantos filhos que não se dão ao trabalho de sequer dar um telefonema para saber se os pais precisam de algo. Tantos velhos abandonados nos asilos, nas ruas, nas próprias casas, a mercê da sorte de outrem para cuida los…

Você está aqui, todos os dias me alimenta, me dá os remédios, me dá banho, zela meu sono, se sobressalta a cada barulho diferente…


Eu sinto todas as suas angústias, desesperos, lágrimas incontidas, portas sem saídas…

Ah meu( inha ) filho (a) se eu pudesse falar, se pudesses ao menos ler meus pensamentos, se eu pudesse sair desta redoma, hoje seria um dia que o(a) colocaria em meu colo e iriamos relembrar os momentos alegres pelos quais passamos… Relembrar sua infância, suas peraltices, agradeceríamos juntos(as) a tua existência…

Ah como eu gostaria de poder voltar ao tempo, lhe pedir perdão pela mãe que não fui, pelas faltas causadas e as cicatrizes deixadas pelo tempo.

Como eu gostaria de enxugar suas lágrimas, lhe ajudar nos afazeres da casa, gostaria que você se acalmasse, que pedisse ao Soberano a devida sabedoria para lidar com o inevitável.

Sinto me presa a algo desconhecido, a algo que me distancia de todos a cada dia, e a impotência me domina quando estendo meus braços e você não vê, quando grito pedindo que acenda a luz de meus pensamentos, mas você não me ouve….


Quisera eu que tudo fosse diferente, que hoje eu pudesse receber aqueles saudosos telefonemas:

·        Mamãe, minha benção, está tudo bem por aí? Já tomou seu café, teus remédios?

·        Mamãe se arruma que daqui a pouquinho estou passando aí para pegar a senhora e papai para passearmos.

·        Mamãe, eu amo a senhora, amo o papai. Ele está aí? deixa eu falar com ele.

·        Mamãe, obrigada por eu ser seu (ua) filho.

Quantos telefonemas corriqueiros sinto falta hoje meu (inha) filho (a)…

Lembra do quanto ríamos , confabulamos?

Ah se eu soubesse, que hoje só o (a) encontraria em meus lapsos de memória…;

Hoje estou aqui, atenta a tudo e a todos, fitando o teto, meu corpo enrijecendo a cada instante, minha memória em busca de meus pais, e você ali, firme, forte, confiante que um dia a cura virá, apesar de todos os pesares.

Ah como eu gostaria que todos os pais tivessem o (a) filho (a) que tenho, mas este meu querer se transforma em preces ao Criador, pois todas as noites suplico para que Ele renove tuas forças diante da vida, das lutas, do desconhecido.


Quero que saibas que eu daria a minha vida para sair desta condição de dependência, de labutas , de noites insones, de ouvir teus choros baixinho para não me incomodar, mas é esta doença que me faz dar tanto trabalho.

Me perdoe por tudo, torço para que um dia tudo se reverta, que a cura nos encontre, que as lágrimas se molhar tua face, seja de gratidão e contentamento.

Gostaria que você parasse por um instante, segurasse minhas mãos e rezasse o Pai nosso em gratidão por tudo, pelas dificuldades, pelos aprendizados, e principalmente pela oportunidade que estais tendo em cuidar de quem abaixo de Deus, lhe deu a vida. Meu (inha) filho(a), este mérito é somente para grandes guerreiros, você não imagina quantos filhos gostariam agora de ter uma mãe.


Faça isto, são apenas alguns minutos, eu te peço…

No mais, hoje eu só quero mesmo é te agradecer por tudo na minha vida, por não me abandonares nos meus piores momentos, gratidão pelas noites insones, pelas vergonhas que lhe faço passar por não dar mais conta de controlar minha mente, gratidão pelo alimento, pelos remédios, pela sua compreensão, dedicação e amor.

Era isto sabe filho (a), que no meu silêncio eu gostaria de lhe dizer através de um abraço e tenha a certeza de que hoje falarei de você novamente para Jesus.

Que Deus te abençoe!



·        Autoria: Berna Almeida